Abnegada Rute

Autora: Sueli Albano (NEPE Cajazeiras/PB)

A primeira revelação está repleta de missionários enviados à Terra por Jesus para preparar-lhe o caminho. Dentre esses, encontramos Rute, cuja história foi registrada em um livro bíblico que recebeu o seu nome.

Essa estrangeira se tornou referência para os israelitas, passando a integrar essa comunidade, apesar de ser proveniente de um povo pagão. Reconhecendo a sua importância para as bases do cristianismo, o evangelista Mateus registrou seu nome na genealogia do messias (Mt 1.5).

A narrativa se passa no tempo dos Juízes, quando uma família sai de Belém de Judá e vai morar nos campos de Moab. O casal Elimelec e Noemi e seus dois filhos. O pai faleceu, assim como os seus dois filhos que deixaram viúvas duas moabitas.

Diante dos tristes acontecimentos, Noemi decide retornar para sua terra e recomenda às noras que voltem para as casas de seus familiares, pois não havia outros filhos que pudessem desposá-las, segundo determinava a lei do levirato[i]. Porém Rute decide acompanhar a sogra.

Considerando a situação de dependência econômica da mulher – agravada pela impossibilidade da viúva receber herança – num tempo de cultura patriarcal, compreendemos o valor altruístico da decisão de Rute. Ela renunciou a segurança material junto à família consanguínea e a possibilidade de conseguir mais facilmente um segundo matrimônio, para viver como estrangeira em Judá.

Nesse momento nos questionamos por que ela tomou essa decisão e identificamos algumas respostas. Rute estava sofrendo, mas conseguiu enxergar a situação mais grave da sogra que perdeu o esposo e os dois filhos, era idosa e não tinha perspectiva de casamento. Através da linda declaração (Rt 1.16-17) percebemos ainda a fé da moabita no Deus único, refletida no amor ao próximo. Assim compreendemos a dificuldade que seria voltar a viver entre os moabitas politeístas.

Em Belém de Judá, Rute precisou respigar[ii] para assegurar a sua sobrevivência e da sogra. Diz o texto que “por felicidade” ela acabou trabalhando nas terras de Booz, um dos parentes de Elimelec que teria condições de resgatá-la. A trama se desenrola e Booz acaba se casando com Rute, recuperando as terras de Elimelec para Noemi e gerando um filho que seria o avô do rei Davi.

As atitudes dessa missionária nos ajudam a compreender o sentido da abnegação como o  sacrifício de todo interesse egoístico e o esquecimento de si mesmo em favor dos infelizes,  segundo a instrução dos Espíritos no Evangelho Segundo o Espiritismo. Ela foi além da obrigação legal no cumprimento da Lei Divina, em consonância com o ensinamento do benfeitor Emmanuel ao afirmar que a abnegação começa onde termina o dever.

Alinhada ao projeto de Deus, constituiu-se como um instrumento para o despertar da humanidade da época – que se encontrava atordoada entre guerras e conquistas – tendo encarnado no seio do povo inimigo de Israel e, surpreendentemente, tornado-se meio essencial para a manutenção de uma família israelita. Dessa forma, registrou-se na história uma lição viva de fraternidade entre os povos, vislumbrando-se a compreensão da grande família que habita o universo, a qual seria retratada por Jesus na oração do pai-nosso e aprofundada pelo Espiritismo através da compreensão da pluralidade das existências e dos mundos.

Foi assim que uma pobre mulher, estrangeira e viúva, aparentemente resgatada pelo velho Booz, nos demonstrou o significado da máxima “Fora da caridade não há salvação”, considerando que ela primeiramente renunciou, sacrificou-se e amou a Deus e ao próximo, atraindo as condições para o seu próprio resgate.

Por isso, ainda hoje, a história de Rute auxilia muitos Espíritos no caminho da evolução, conduzindo-nos àquele que realizou o sacrifício maior pela humanidade, através da sua encarnação na terra a fim de nos ensinar o caminho para o reino de Deus.

Referências

A Bíblia de Jerusalém. Paulus, 2002.

Estudo do Gênesis: Vídeo 29. Haroldo Dias Dutra. Disponível em https://www.evangelhoeespiritismo.com.br/estudo-de-genesis/029-velho-testamento-livro-genesis/

O Evangelho Segundo o Espiritismo. Allan Kardec. IDE, 2009.

O Novo Dicionário da Bíblia. J.D. Douglas. Vida Nova, 2006.

Pensamento e Vida. Pelo Espírito Emmanuel. Francisco Xavier. Feb, 2016.

[i] Essa lei estabelecia que quando um homem casado morresse sem ter filhos o irmão solteiro casasse com a cunhada viúva.

[ii] Significava recolher atrás dos segadores o que caía dos feixes. Era permitido ao pobre, ao estrangeiro a à viúva.