Ceder o Manto

Autora: Sueli Albano (NEPE Cajazeiras-PB)

O manto era uma grande peça de pano, mais ou menos quadrada, que era usada sobre os ombros. Utilizavam-no também à noite como cobertor. Era geralmente a vestimenta dos profetas e dos pobres.

Ao consultarmos o antigo testamento encontramos a seguinte passagem que se refere à orientação sobre a possibilidade de tomar o manto de uma pessoa: “se tomares o manto do teu próximo em penhor, tu lho restituirás antes do pôr-do-sol. Porque é com ele que se cobre, é a veste do seu corpo: em que se deitará? Se clamar a mim, eu o ouvirei porque sou compassivo” (Ex 22.25-26).

Percebemos que ao instituir essa norma Moisés estava tentando limitar o nível de exploração material entre os israelitas, evitando que se chegasse ao ponto da desproteção total do indivíduo, mesmo que ele estivesse devendo.

O foco se encontrava, portanto, sobre quem tomava o manto, deixando-se claro que o clamor do “explorado” subiria a Deus como uma espécie de acusação e ele seria ouvido.

Ao estabelecer a devolutiva todas as noites, pedagogicamente, o legislador procurava desestimular aquele que pretendesse tomar o manto do irmão porque seria muito trabalhoso ficar com o objeto pra lá e pra cá. Mesmo assim, se insistisse em toma-lo, seria obrigado a manter um relacionamento com o antigo usuário, possibilitando ao longo do tempo que se desenvolvesse uma relação de amizade entre as pessoas envolvidas na questão.

Jesus retoma e modifica essa passagem ao dizer: “e àquele que pleitear contigo para tomar-te a túnica, deixa-lhe também o manto” (Mt 5.40). Nesse caso o foco é invertido para o primeiro usuário do manto e Jesus lhe pede que vá além do que a lei determinava.

Por que então sugere o mestre que deixemos o manto?

De fato, a túnica e o manto não nos pertencem. São apenas um empréstimo divino.

Se o indivíduo está fazendo questão é porque precisa dele e não nos cabe julgá-lo.

Se nos pediu é porque precisamos lhe dar. De alguma forma existe uma vinculação entre os dois envolvidos na contenda.

Estamos diante de uma oportunidade de exercitar o desapego e a generosidade.

Ao entregar generosamente o último recurso de nossa proteção material experimentamos o abandono à Providência Divina, a qual se constitui como nossa verdadeira proteção. Dessa forma compreendemos a nossa fragilidade enquanto criaturas que estagiam na humanidade.

Aquele que cede generosamente o manto encontra a sua libertação em relação às posses materiais e avança no caminho da evolução, desprendendo-se pouco a pouco da veste carnal para receber em breve um corpo imperecível.

O mestre não apenas nos ensinou através de palavras: pregado na cruz, sem túnica e sem manto, no último instante da encarnação terrestre clamou a Deus “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23.46).

Referências

BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. Nova edição revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002.

DOUGLAS, J.D. O Novo dicionário da bíblia. 3 ed. revisada. Vida Nova. São Paulo, 2006.